(Português do Brasil) Pesquisadores do PósENQ desenvolvem técnica inovadora para aumentar eficiência de fertilizantes

24/05/2022 07:34

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O professor Dachamir Hotza no Laboratório Interdisciplinar para o Desenvolvimento de Nanoestruturas – Linden (Foto: Luís Carlos Ferrari)

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia colocou em evidência uma questão estratégica para qualquer nação: a produção de fertilizantes, insumo essencial para a produtividade agrícola. Na UFSC, uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor Dachamir Hotza, do Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos, desenvolveu um material inovador de liberação controlada de nutrientes dos fertilizantes, com potencial de aumentar a eficiência desses produtos e vantagens econômicas e ambientais sobre outras tecnologias já utilizadas pelas indústrias.

Intitulada “Fertilizantes de Liberação Controlada à Base de Nanocompósito de Argila Hidrofóbica”, a pesquisa levou o professor Dachamir Hotza a ser um dos finalistas na categoria Pesquisador Inovador do Prêmio Inovação Catarinense – Professor Caspar Erich Stemmer, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). De acordo com o professor, “os fertilizantes de liberação controlada podem atender de maneira mais eficiente a demanda crescente do mercado, e diminuir nossa dependência da importação desses produtos”.

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de alimentos, mas cerca de um terço de toda a produção agrícola do País depende de fertilizantes, que são derivados de elementos químicos como nitrogênio, fósforo e potássio (NPK). O uso de fertilizantes é crescente: chegou a 41,5 milhões de toneladas em 2021, com um aumento de 21,4% em relação a 2020. Em abril deste ano, a compra de fertilizantes chegou a 3,25 milhões de toneladas (crescimento de 71% em relação ao mesmo mês do ano passado).

A agricultura nacional, no entanto, é altamente dependente do mercado externo. Estima-se que o Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que utiliza nas lavouras e mais de 20% das importações deste produto têm como origem a Rússia. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia afetou duplamente o Brasil. As importações de fertilizantes da Rússia recuaram 9% nos primeiros quatro meses do ano, enquanto os preços dispararam no mercado internacional. E a Ucrânia, um dos grandes produtores de alimentos da Europa, teve sua produção e exportações totalmente desorganizadas pela guerra, causando escassez e inflação dos preços dos alimentos no mundo todo.

A conjuntura internacional reacendeu os debates sobre a importância da indústria nacional de fertilizantes, fator essencial para garantir a segurança alimentar da população. A pesquisa desenvolvida na UFSC busca reduzir as perdas de nutrientes, aumentando a eficiência dos fertilizantes no desenvolvimento das culturas.

Produtividade

De acordo com dados apresentados no dossiê de inscrição da pesquisa no Prêmio, aproximadamente 40% dos alimentos produzidos no mundo utilizam fertilizantes e quase a totalidade destes produtos são aplicados no solo de forma granulada. Essa forma de apresentação traz consigo alguns problemas e desafios, como a formação de pó e aglomerados durante as etapas de transporte e armazenamento. Após a aplicação no solo, os problemas dos fertilizantes sólidos granulados são as perdas decorrentes de processos como a volatilização, mineralização e lixiviação de nutrientes. De acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as perdas podem chegar a 70% no caso da ureia, o principal fertilizante nitrogenado.

Para combater esses efeitos, fabricantes, importadores e granuladores de fertilizantes desenvolveram técnicas para revestir os grânulos, utilizando produtos à base de enxofre, óleo mineral ou polímeros. Todos estes métodos apresentam problemas, seja pelo custo elevado, eficácia parcial em relação aos problemas de aglomeração, lixiviação e volatilização e, no caso dos polímeros, acúmulo de resíduos plásticos nas lavouras e consequentes danos ambientais. “Por essas razões, existe uma oportunidade de negócio para um recobrimento de fertilizantes granulados que tenha propriedade hidrofóbica, anti-aglomerante e que controle a liberação dos nutrientes dos fertilizantes”, afirma o professor Dachamir.

Nos últimos anos, muitas pesquisas científicas se dedicaram a desenvolver métodos e tecnologias com o objetivo de aumentar a absorção de nutrientes do tipo NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) pelas plantas. O grupo de pesquisas coordenado pelo professor Dachamir trabalha no desenvolvimento dos chamados “fertilizantes inteligentes”, produtos que fazem a liberação controlada de nutrientes em sincronia com os ciclos de crescimento, florescimento e frutificação das plantas. Com isso, há uma redução de perdas e potencial de aumento da produtividade das plantações.

As experimentações se concentraram em nanocompósitos de argilas modificadas superficialmente, chamadas organoargilas, que possuem uma característica de aversão à água (hidrofobia). O material surge como uma alternativa ecológica e economicamente viável para o revestimento dos fertilizantes e liberação controlada de nutrientes.

Nanotecnologia

A argila é um mineral composto por empilhamentos de plaquetas (lamelas) de dimensões nanométricas e que possui como característica natural a hidrofilia (capacidade de absorver a água). Os pesquisadores usam a técnica de delaminação para obter acesso às plaquetas nanométricas a partir de aglomerados de argila natural. Em seguida, as plaquetas passam por um processo chamado de organofilização, em que os cátions inorgânicos (Na+, Ca2+) são substituídos por cátions orgânicos. Esse tratamento de superfície só é possível em dimensões nanométricas. Ao final do processo, ocorre uma alteração de polaridade elétrica do argilomineral, que passa a repelir a água. Esse novo material (nanocompósito) pode ser utilizado para “envelopar” os grânulos dos fertilizantes, proporcionando a liberação controlada dos nutrientes, que são solúveis em água.

As atividades experimentais foram desenvolvidas nas unidades laboratoriais da UFSC associadas ao Laboratório Interdisciplinar para o Desenvolvimento de Nanoestruturas (Linden), em particular no Laboratório de Processamento Cerâmico (Procer), vinculado ao Grupo de Pesquisa em Tecnologias Convergentes e Habilitadoras (G-TeCH). Além do professor Dachamir Hotza, estão envolvidos no estudo pesquisadores dos Programas de Pós-graduação em Engenharia Química (PósENQ) e Ciência e Engenharia de Materiais (PGMAT); dos Departamentos de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos; Engenharia Mecânica; além do Centro de Ciências Agrárias da UFSC. O projeto recebeu ainda apoio financeiro em duas etapas, respectivamente, das empresas parceiras T-Cota e T-Minas.

O Linden é o único laboratório de Santa Catarina integrante do Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNANO), um conjunto de laboratórios direcionados à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação em nanociências e nanotecnologias, acessível a instituições públicas e privadas para prestação de serviços ou parcerias em projetos de pesquisa e desenvolvimento. O SisNANO, através do programa SibratecNANO, apoiou a primeira fase desse projeto.

As pesquisas já proporcionaram o desenvolvimento de duas patentes, depositadas com apoio da Secretaria de Inovação (Sinova) da UFSC. A primeira, de junho de 2020, é intitulada “Método de preparação de fertilizantes de liberação controlada”. Em abril de 2021 foi gerada a patente “Processo de produção de argila hidrofóbica e super-hidrofóbica”, que registra a invenção de um método de fabricação de argila repelente à água através de um agente de organofilização.

Atualmente, a pesquisa se concentra no estudo dos mecanismos envolvidos na volatilização de nitrogênio proveniente de fertilizante nitrogenado a base de ureia, submetido ou não a pré-tratamento. O trabalho é uma tese de doutorado, desenvolvida no PósENQ/UFSC, pela doutoranda Marcela Mattus Ribas, que conta ainda com a coorientação do professor Agenor De Noni Jr, e suporte técnico do engenheiro Henrique Cislagui da Silva. Essa segunda parte da pesquisa conta com financiamento do CNPq e contrapartida da empresa T-Minas, que busca aprimorar um produto já comercializado por ela e tem interesse no desenvolvimento de novos fertilizantes de liberação controlada.